Mas no fundo da alma queima o grito...

VISÃO DA URBE

[Tela Mano Alencar -Caos Urbano]

Cidade insuportável, com seus tentáculos de ódio e néon. Aportamos num dia sexto da criação de Répteis para não descansarmos nunca do absurdo de ser, simplesmente. De nativo, nada. Ou melhor, uma grande geléia negra sorvida por sórdidos soldados da pátria asmática. Salve! Salve! Salvem-me! Salvem-nos! Salve-se quem puder ou pudor tiver. Até amanhã é tempo demais para contemplar o caminho que projetarmos no cinema amanhã, entre os jornais de ontem acabrunhados pelas tesouras burocráticas.

Cidade soporífera. As comportas da mente jorram catástrofes, sobretudo por causa da última intenção, aquela das entrelinhas. Flagelados ficam todos que, obviamente, não estão em pervigília, pois a enchente tem origem no Mistério desprezado. Agora, Senhor, o pasmo de um passo em falso no fosso da Existência.

Clemência não mais chegará ao porão, ao fétido porão de um cidadão devidamente carimbado por todas as repartições da Vida Cotidiana. Dá susto isso e aquilo e mais aqueloutra coisa e loisa.

O pouso do herói dura até a luz pifar no bairro. Burro e bobo quem não sentir o sangue escorrer na hora íntima, na cama áspera e universal dos que têm sede de amar, assim, assim. O urro vem antes do murro desejado pelo povo. Em quem? Em quê? Ora, um dia falaram em Liberdade mas não a liberaram. Por isso engrossam nas ruas os lombos dos idealistas olímpicos, que se vêem, de repente, de 1.000 metros rasos. Mas no fundo da alma queima o grito, a Festa contida dos homens nas praças e palácios dominados. Enfim, o Sonho das crianças sem leite nem deleite. Crianças com olhos de espanto.

Ricardo Augusto dos Anjos