14 de agosto de 2011

Ou era o vento que o impelira ao bojo do silêncio?


CHEGOU


Chegou tarde à casa de campo e, após tomar uma ducha fria no chuveiro da piscina, respirou fundo de alívio. Olhou para o céu estrelado entre nuvens claras e azuladas pela luz do luar. Sorriu um sorriso de inocência. Inocência que absolutamente não cabia naquele momento, principalmente depois do que acontecera no escritório. Enxugou-se, então, e atirou para longe a toalha. Nu, sentiu-se melhor que nunca. Esticou-se na espreguiçadeira. Abstraiu-se. E navegou. Vagou mil anos improficuamente pelas monotonias siderais, onde não há nem haveria dor. A morte, sim, teria essa sensação de neutra vacuidade na hora da passagem, do largar o corpo pra lá ou pra cá e sustentar a alma com leveza. Era, na certa, o silêncio quase absoluto daquele meio de mato onde se encontrava que o conduzia ao vento, ao nada. Ou era o vento que o impelira ao bojo do silêncio? Era mais provável que fosse a brisa, a leve brisa de fim de verão a responsável por esse estado que supôs, ou forjou inconsciente, de encantamento. Justo depois que a tarde trouxe a lua, como na canção do Alf, do alfa e do ômega, do amor que surgiu, se insurgiu e morreu no mar por não resistir, não insistir. E por ser pretérito, foi preterido no protetorado do tempo. Do tempo que perdeu para chegar. E virou lamento de um desejo inquieto. “Ah, se a juventude que essa brisa canta, ficasse aqui comigo mais um pouco, eu poderia esquecer a dor de ser tão só pra ser um sonho. Daí, então, quem sabe alguém chegasse buscando um sonho em forma de desejo... Felicidade então pra nós seria... E depois que a tarde nos trouxesse a lua, se o amor chegasse, eu não resistiria e a madrugada acalentaria a nossa paz. Fica, ó brisa, fica, pois, talvez, quem sabe o inesperado faça uma surpresa e traga alguém que queira te escutar e junto a mim queira ficar...”

         Pronto, acabou-se a paz, ou melhor, findou-se a boa paz. E instalou-se a má paz (como no caso do bom e mau colesterol). Instalou-se a fossa dos anos 60, do pós-amor. E também a euforia dos anos 50 dourados, douradíssimos, pós-guerra. Da lágrima hoje interditada pela tecnologia de ponta. Do desejo hoje interditado pela bacteriologia da aids. Mas lembrou-se de Woodstock e atravessou a ponte. E seus olhos brilharam raios de ódio por não ter pulado no estribo do bonde da história quando este passou bem na sua frente, estridente. Por isso, tem até agora um grilo de não saber dançar para abraçar a dama, sentir ardor de corpos unidos e ritmados, prelibados. Por isso tem até agora outro grilo de não saber dirigir. Automóvel, claro, que todo mundo sabe ou deveria saber.

(Que estranho ser era ele, inserido em que contexto? “Você, francamente, não existe!” – ouvia da parceira que o depreciava sempre quando entravam em clinche no ringue conjugal.)

Ricardo Augusto dos Anjos
Itaipu Niterói 2003

2 comentários:

  1. Prezado Ricardo,
    Coloquei o blog entre os favoritos, para leitura assídua.
    Abraço
    Carrano

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  2. Mais uma vez agradeço a oportunidade de te ler.
    Abs
    Belvedere

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